Guiando o cego de cartola, a
Pequena Ladra o levou até um banco de praça, iluminado por uma lamparina a óleo.
Não poderia levá-lo até os trilhos. Se o fizesse, demonstraria uma culpa que
não estava sentindo.
- O que você fez foi inexplicável.
- disse a Pequena Ladra limpando o rosto do senhor com sua própria manga.
- Eu senti uma vontade,
mocinha... Não sei explicar. Foi tão mais forte que eu. E agora eu não sei mais
que cor o mundo tem. É roxo, mocinha? Roxo igual seus olhos?
- Você nem me conhece. Iria voltar
pra casa, pra sua família. Nunca mais iria me ver. Deveria ter ido. Deveria ir.
- Por quê?
- Alguém deve estar se
preocupando por você nesse momento, senhor.
- E por você, mocinha,
ninguém se preocupa?
A Pequena Ladra rangeu os
dentes, impaciente.
- Se você furou seus
próprios olhos porque viu meu rosto, imagine se eu fosse sua filha! Certamente teria
feito o mesmo que... - e calou-se. Falara demais.
- Feito o quê, mocinha? -
perguntou o cego.
- Agora eu preciso ir
embora. Se você me disser que vai ficar bem, eu vou embora.
- Não posso ir com você?
- Não.
- Então eu vou ficar bem se
você vier me ver amanhã antes do amanhecer. Pode prometer? Tenho medo.
Antes do término da frase, a
Pequena Ladra já não estava com o senhor da cartola. E mesmo se tivesse ficado
para ouvir, não teria prometido nada.
Das coisas que aprendeu com
a vida é que promessas servem para não serem cumpridas.
Esvaziou a mente até sobrar
apenas o tác-tác de suas botas pelo caminho do trilho do trem e do tilintar das
chaves em seu bolso.
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