sábado, 3 de janeiro de 2015

Capítulo III


   Guiando o cego de cartola, a Pequena Ladra o levou até um banco de praça, iluminado por uma lamparina a óleo. Não poderia levá-lo até os trilhos. Se o fizesse, demonstraria uma culpa que não estava sentindo.
   - O que você fez foi inexplicável. - disse a Pequena Ladra limpando o rosto do senhor com sua própria manga.
   - Eu senti uma vontade, mocinha... Não sei explicar. Foi tão mais forte que eu. E agora eu não sei mais que cor o mundo tem. É roxo, mocinha? Roxo igual seus olhos?
   - Você nem me conhece. Iria voltar pra casa, pra sua família. Nunca mais iria me ver. Deveria ter ido. Deveria ir.
   - Por quê?
   - Alguém deve estar se preocupando por você nesse momento, senhor.
   - E por você, mocinha, ninguém se preocupa?
   A Pequena Ladra rangeu os dentes, impaciente.
   - Se você furou seus próprios olhos porque viu meu rosto, imagine se eu fosse sua filha! Certamente teria feito o mesmo que... - e calou-se. Falara demais.
   - Feito o quê, mocinha? - perguntou o cego.
   - Agora eu preciso ir embora. Se você me disser que vai ficar bem, eu vou embora.
   - Não posso ir com você?
   - Não.
   - Então eu vou ficar bem se você vier me ver amanhã antes do amanhecer. Pode prometer? Tenho medo.
   Antes do término da frase, a Pequena Ladra já não estava com o senhor da cartola. E mesmo se tivesse ficado para ouvir, não teria prometido nada.
   Das coisas que aprendeu com a vida é que promessas servem para não serem cumpridas.

   Esvaziou a mente até sobrar apenas o tác-tác de suas botas pelo caminho do trilho do trem e do tilintar das chaves em seu bolso.

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