O silêncio na cidade era imenso.
Podia ouvir-se a quadras de distância a batida do solado bruto da Pequena Ladra
correndo pelas ruas sujas, buscando a estação de trem. Já era quase noite feita
e nem uma única alma era avistada por ali. O medo da escuridão, de permanecer
eternamente naquele lado, sem jamais rever a faísca dourada do Sol na córnea...
Chegando na estação, a
Pequena Ladra escondeu-se atrás do guichê de venda de bilhetes. Não poderia
deixar que a Mulher Ruiva a encontrasse em uma situação desprotegida. Já não
era mais opção tentar combatê-la.
Pôs-se a chorar. Sua cabeça
de menina não conseguia digerir tudo o que estava acontecendo nos últimos dias.
Embebida em sono, cansaço e algumas lágrimas restantes, um apito fez-se vivo.
Com os dedos sujos, a Pequena Ladra limpou os olhos úmidos e ergueu-se devagar,
tentando não fazer barulho.
Por entre as frestas da mesa
do guichê de venda de bilhetes, a Pequena Ladra viu que apenas um vagão do trem
havia parado. Demorava-se a abrir a porta. Uma moça com vestes brancas aguardava
para embarcar. Na face daquela mulher, toda a serenidade de quem entende que
vai ter que seguir um destino específico.
A porta abriu-se e o
maquinista sorriu. Em passos lentos e hipnóticos, a moça com vestes brancas
adentrou no vagão e desapareceu na escuridão do mistério que era aquele momento.
A Pequena Ladra teve vontade de gritar, de implorar para que aquela moça não
buscasse aquele fim para ela, mas não pôde. Se gritasse, mocinha também teria
que entrar no vagão e seguir o mesmo rumo. Xaphan já havia lhe marcado...
Sentou-se, novamente,
escondida atrás do balcão e olhou para suas mãos. Parecia-lhe que as
engrenagens haviam sumido, mas sabia que esse era apenas seu desejo e a
escuridão ajudava a proporcionar essa miragem deliciosa que era não ser mais
doente; voltar a ter os olhos castanhos. Adormeceu.