Quando o Homem Cego começou a gritar
que não se importava e que não queria saber, a menina já estava longe, correndo
em fuga. Apenas os olhos verdes da Mulher Ruiva alcançavam o distanciamento.
A Pequena Ladra, novamente, apenas
parou de correr quando suas pernas fraquejaram. Anoitecia e ela não fazia ideia
de onde estava. Desconhecia a cidade, mas estava intrigada com tanta novidade.
Sentou-se, com muita
dificuldade para respirar, e escondeu o rosto dos que ali passavam. Viu em suas
mãos o desenho violáceo das engrenagens que eram suas veias. O desenho cada vez
mais forte, mais evidente. Tinha raiva de si. Se suas mãos estavam daquele
jeito, seu rosto deveria estar também. E quanto mais escuro os traços das
engrenagens do seu rosto, mais as pessoas a condenariam por doente.
Precisava encontrar a chave,
pensava... A chave que abriria a porta das engrenagens de sua pele e que a
libertariam daquele estado. Tosse. Talvez, assim, seus olhos deixassem de ser
roxos... Tosse. Quem sabe, assim, a sua mãe a quereria de volta... Tosse. Quem
sabe ela aceitasse o Homem Cego como seu marido... Gostava tanto do Homem Cego!
Tosse. Ele poderia ser seu pai. Tosse. O que será que aconteceu com a família
do Homem Cego? Será que alguém sentia falta dele? Por que ele seguia com ela?
Tosse. Onde estaria o Homem Cego naquele momento?
Lembrou-se que a Mulher
Ruiva o havia tocado. Será que isso implicaria em algum problema para ela?
(...) Em meio a tanta dificuldade de respirar e tanta preocupação em sua
cabeça, a Pequena Ladra ergueu-se e retomou o que melhor sabia fazer: roubar
chaves.
Devagar, o corpo da Pequena
Ladra foi aquecendo e a tosse a deixou. As engrenagens vibraram fortes em seu
rosto. Uma jovem mãe lhe entregou um pedaço de pão e uma maçã. Agradecida, a
menina lhe entregou um sorriso.
- Cuide bem da sua criança,
Jovem Mãe! Não faça com ela o que minha mãe fez comigo.
No céu, um balão a vapor
riscava a cidade de perto. Era hora de procurar o Homem Cego.