Os longos casacos negros e
tintos respiravam por entre as ruas, naquele final de tarde. Os cavalos
desapareciam dos tílburis a cada dia, sendo substituídos por uma fumaça
acinzentada de combustão.
O horizonte, em matizes
alaranjados, era o único a enxergar a pequena criança de aproximadamente
quatorze anos a mexer com os próprios dedos ossudos, sentada no meio da rua, no
caminho da multidão. Sempre alguém lhe pisava, tropeçando. E toda vez que
ocorria um tropeço, a Pequena Ladra sorria sem mexer os lábios, escondida
dentro das vestes surradas.
- Você não deveria estar em
casa, mocinha? - lhe perguntou um senhor segurando a aba da cartola.
Não respondeu. Apenas abraçou
o homem, sem olhá-lo, como se ele fosse sua mãe. Como se sentisse saudades de sua
mãe.
Constrangido com o ato tão
terno da menina, ele teve medo.
- O que você precisa,
mocinha?
Ainda sem responder,
levantou o semblante escondido atrás da franja, deixando seu rosto visível para
que, então, pudesse o senhor perceber os seus traços. Ele aceitou a mudez e
seguiu seu caminho. Já não conseguiria mesmo falar depois de ter visto o que
vira.
A Pequena Ladra havia
conseguido mais uma chave e ria devagar. A respiração falhava, mas era frio e,
assim, poderia voltar para os trilhos, logo que parasse de tentar entender as
engrenagens das suas mãos.
De repente, um grito firme
ao longe. As pessoas que estavam na rua se afastaram da expressão de agonia retratada
pelo homem. Contornavam-no, como se um centímetro mais próximo viesse a
incrustar uma doença fatal em quem ousasse. O senhor da cartola acabara de
furar seus próprios olhos.
A menina levantou-se pela
primeira vez. O solado grosso das botas batendo forte nas pedras do chão
levou-a até dois passos do rosto ensanguentado.
- É mais fácil nunca mais
ver, né? Só que agora, você vai me enxergar até a morte, imbecil! Eu vou seguir
na tua memória.
- E como poderia ser
diferente?