O trem corria. O barulho
metálico explodia nos tímpanos dos dois. O estofado vermelho brilhava o cheiro
de novo. A Pequena Ladra estava feliz e se sentia segura - pelo tempo da viagem,
ao menos.
Desacelerando, o trem parou.
Não sabiam onde estavam. A mocinha pegou para ler um jornal que o passageiro
anterior esquecera ali. Enquanto isso ocorria o desembarque. E depois o embarque.
Logo que o trem retomou sua ânsia por distâncias, entrou na cabine uma jovem
mulher, morena, risonha, não muito bonita.
- Quem é? - perguntou o
Homem Cego, apreensivo.
- Calma, senhor! Eu sou
apenas...
- Outra passageira qualquer.
- Interrompeu a Pequena Ladra.
- Ah, mocinha, não seja
mal-educada! Deixe que ela se apresente, certo?
A Pequena Ladra soltou um
muxoxo e pegou o jornal novamente. Não sabia ler, mas aquelas palavrinhas
miudinhas talvez fizessem sentido tanto quanto suas engrenagens. Abaixou a
cabeça e manteve os olhos distantes. Enquanto isso, o Homem Cego conversava com
a Nova Passageira. Ela contou que fugira de sua família para viver um romance um
jovem moço, mas que ele não a fez feliz e que, por isso, estava voltando para
casa de seus pais. Que torcia que eles a aceitassem. E ela ria... Quase que
desesperadamente.
O Homem Cego nada dizia.
Estava ficando enjoado com a voz daquela mulher, mas não seria polido de sua
parte pedir que calasse a boca.
- Ela é sua filha? -
perguntou a Nova Passageira sobre a Pequena Ladra para o Senhor Cego.
- Não. Na verdade, ela é
uma...
- Não lhe interessa. -
Interrompeu novamente a mocinha, ainda escondida atrás do jornal. - Eu sou um
monte de coisas e acho que você não precisa saber. O que quer provar contando
essas histórias todas? Por que você só não fica quieta e desfruta do silêncio?
É tão bom o silêncio!
Constrangida, a Nova Passageira
suspirou breve e calou-se.
- Isso não foi bonito,
mocinha... - Repreendeu o Homem Cego.
- Ah, cala a boca, você
também!
A Pequena Ladra fechou os
olhos e dormiu todas as dores que aquela viagem lhe causava. Pela primeira vez,
alguém cuidava dela e a queria bem. Mas se questionava se precisava daquilo.
Qual era a dificuldade das pessoas de aceitarem o silêncio?