De repente havia luz e um céu
sem nuvens capaz de fornecer sombras sólidas a todos os seres munidos de alma.
Os cabelos da Pequena Ladra ousaram aparecer por trás do capuz sujo. Ela os
prendeu enquanto notava que estava sozinha naquele lugar tão doce quanto sua
infância. Colocou as mãos nos bolsos, instintivamente, à busca das chaves -
para rememorar que deveria continuar com seus furtos -, mas nada encontrou.
Assustada, a garganta
trancou o choro que suplicava surgir. Tantas chaves que conseguira e, agora,
como saberia se não havia perdido a oportunidade de encontrar a peça perfeita
para lhe livrar da maldição de carregar as engrenagens? Ajoelhou-se perdida, tentando manter a calma.
Apareceu o Homem Cego para então dizer-lhe:
- Mocinha, você não tem
motivo algum para querer chorar. Veja como o céu está lindo!
- Como o senhor sabe que o céu está lindo se o senhor é cego?
Em risos, e arrumando a
cartola na cabeça, respondeu-lhe:
- Eu era cego, mocinha. Eu
era... Agora consigo ver você com tanta nitidez quanto o sol te queima a bochecha!
Sem nada entender, a Pequena
Ladra olhou então para suas mãos e elas já não possuíam marcas. Estavam lisas, brancas, limpas, sem
nenhum desenho colorido: saudáveis. Não conseguia entender. Impulsivamente, pegou
o Homem não mais Cego pelo braço e questionou-lhe:
- Qual a cor dos meus olhos?
- A cor de sempre, mocinha.
Roxos.
E uma dor intensa foi
afundando as têmporas da menina. Dezenas de mulheres vestidas de branco, cheirando
a sangue fresco, mortas, apareceram ao seu redor. Sorriam para a aparição da Mulher Ruiva, por trás da Pequena Ladra, de mãos dadas com a jovem de cabelos castanhos, que reclamava sua pulseira com as chaves.
A Pequena Ladra pôs-se a
correr da forma que conseguiu, porém, quanto mais força desprendia para correr
rapidamente, mais lento era seu movimento. O ar começou a faltar-lhe e a cabeça pulsava violentamente. Já não conseguia enxergar com precisão... Apenas via as veias voltando a formar-se em forma de engrenagens pela
sua pele...
Acordou. Pingos grossos da
chuva que caía confundiam-se com os cascos dos cavalos nos paralelepípedos da
rua.
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